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Jardiael Herculano: ‘vivemos uma época marcada pela violência neuronal e um excesso de positividade que incidem frontalmente na saúde mental’

A dinâmica da vida nos dias atuais é vinculada em muitos aspectos e profundamente com as mídias sociais. A realidade virtual convida cada pessoa a projetar em seu espaço as suas aspirações e desejos, visualizando um mundo de realizações e de felicidade. Contudo, se trata de um recorte da realidade e que na maioria das vezes não representa essa mesma realidade.

Muitos estudos mostram que o uso desenfreado das redes sociais trazem consequências negativas para a saúde mental. Buscando aprofundar esse debate, entrevistamos o Psicólogo Clínico Jardiael Herculano (CRP 15/4656). Ele é Mestre em Psicologia (UFAL), Doutorando em Psicologia (UNICAP), Professor e Coordenador do Curso de Psicologia da Estácio Alagoas e Coordenador do Centro de Atenção Psicossocial de Colônia Leopoldina-AL.

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As plataformas de jogos online estão prejudicando muitas famílias. Foto: Reprodução.

Pergunta – “Inicialmente gostaríamos de saber a definição de saúde mental. O que é saúde mental? Quais os elementos que a constituem?

“Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), de modo geral, saúde mental é um estado de bem-estar vivido pelo indivíduo. No entanto, pode ser também uma condição de qualidade de vida, sobretudo, psíquica, em que o sujeito consegue lidar com com as diferentes experiências emocionais nas relações, no trabalho, nos contextos onde está inserido. Quanto aos elementos, não apenas a ausência de doença, mas não se sentir atrapalhado pelas circunstâncias da vida, as tensões que nos circundam diariamente, concentração necessária para aprender e realizar tarefas”.

Pergunta – Sabemos que a vida contemporânea se estrutura em boa medida no mundo virtual. São negócios, trabalho, estudo, enfim, quase tudo se faz através da Internet. Contudo, o excesso de exposição às redes sociais pode prejudicar a saúde. Como se dá esse processo?

É inegável que atualmente a nossa subjetividade é atravessada por esse fenômeno. Somos parte de uma geração que caminha a passos muito ligeiros para sofrer com consequências drásticas no campo da saúde mental em função de uma vida hiperconectada. Por outro lado, há uma captura da nossa atenção pelas narrativas presentes no contexto virtual, muitos dos discursos relativos à prosperidade. A fantasia que se cria em torno disso, não nasce para durar por muito tempo e logo a frustração vem, mas a dependência fica… Adoecimentos contemporâneos como as depressões, rebaixamentos de humor, TDAH, quadros de ansiedade generalizada, entre outros, passa, logicamente, por outros fatores importantes a serem avaliados cuidadosamente, mas com certeza a dependência por smartphones e aparelhos com acesso à internet tem causado danos e contribuído com a produção de uma epidemia de transtornos mentais. Outro ponto muito importante e atualíssimo, são os golpes cibernéticos, especificamente os golpes financeiros, onde golpistas se passam por familiares, muitos deles, até utilizam inteligência artificial para reproduzir voz, e tirar dinheiro das pessoas. Esses golpes são bem comuns entre mensagens de texto, sms, instagram. Outro meio de golpe muito utilizado é o famoso jogo do tigrinho, apostas online, os jogos esportivos de aposta… Tudo isso tem prejudicado a saúde mental das pessoas, que esperam com essas apostas levantarem um valor alto em dinheiro, mas o que acontece na realidade é perder o que se tem. Muitas famílias têm sido vítimas desse movimento criminoso.

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Jardiael é Coordenador do Centro de Atenção Psicossocial de Colônia Leopoldina. Foto: Reprodução.

Pergunta – “As redes sociais representam um recorte da realidade. São publicados somente momentos bons, de satisfação. Como isso pode influenciar na busca constante de padrões  ideais em decorrência do sentimento de desvalor próprio?

“Para Byung, autor de “A Sociedade do Cansaço”, vivemos uma época marcada pela violência neuronal e um excesso de positividade que incidem frontalmente na saúde mental. Com isso, criamos a ilusão de que tudo é possível e superável à medida que nos dediquemos a tal coisa. Isso reflete inclusive na ilusão de que tudo visto nas redes sociais, por exemplo, são coisas reais, assim que são criados esses padrões que logo se tornam comportamentos imitáveis, inspirações, se cria também a noção de que somente a vida do outro é perfeita e para alcançar essa perfeição é necessário seguir os mesmos passos que ele. No novo livro do psicólogo Jonathan Haidt, “A Geração Ansiosa”, esse autor coloca que o ponto central na virada entre a vida real e vida virtual foi quando smartphones passaram a ter aplicativos que nos possibilita estarmos conectados 24h por dia. A lógica do imediatismo virtual, as notificações, atualizações em tempo real desviou o nosso foco. O tédio, o sentimento que mobilizamos recursos para fugir dele, se tornou superável por um deslize na tela. Haidt mostra que a perda do foco no momento presente nos levou a pensar menos e nos concentrar mais em nós, perdendo assim a habilidade de construir relações sólidas. Com isso escancara o paradoxo das redes, que têm como proposta maior conectividade entre nós, no entanto, o saldo é bem contrário a isso, pois o que temos visto são transtornos mentais e um mar de solidão. Os mais atingidos por isso são crianças e jovens, que num ponto de vista fisiológicos, sofrem danos permanentes, atingindo a formação do auto controle, equilíbrio, paciência com gratificações e resistência à tentações, sendo o córtex frontal responsável por isso”.

Pergunta – “Há diversos estudos que indicam que o consumo em excesso das mídias sociais causa dependência de dopamina e da produção da autoimagem? Como isso é prejudicial?

“Na hora de julgamento, o público online não mede esforços. E há uma necessidade de aprovação, de validão por nossa parte. A identidade real foi substituída pela identidade virtual, sem ela, praticamente não existimos, estamos fora do mundo. Então, a maioria de nós vive duelo entre as relações de carne e osso e as relações virtuais. Os adolescentes não conseguem mais sustentar um diálogo com os pais na mesa durante o almoço. Isso indica que estamos vivendo uma epidemia de ansiedade. E não está muito longe de nós. Está ao lado. Vivemos hoje uma vida baseada em celulares”.

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Equipe e pacientes do Centro de Atenção Psicossocial de Colônia Leopoldina. Foto: Reprodução.

Pergunta – “Aqui em Colônia Leopoldina temos muitos casos de pessoas afetadas negativamente na saúde por causa do consumo demasiado das redes sociais?”

“Nunca houve uma iniciativa que levante essa informação. No entanto, eu diria que sim, tanto pelo uso indiscriminado nos jogos esportivos de apostas, quanto pelo uso irrestrito de redes sociais e relações adoecidas pelos adolescentes e jovens. O pós pandemia expôs os casos de agravos em saúde mental e piorou aqueles já conhecidos em Colônia Leopoldina. Entre 22 e 23 vivemos um pico de aumento de crises ansiosas e, principalmente, de episódios depressivos, auto lesão e tentativas de suicídio por intoxicação e outros métodos entre adolescentes de diferentes idades. As escolas foram o espaço onde se deflagrou esses episódios. Atuando nesse cenário, tentando entender e encontrar solução, no final de 22, decidi realizar a aplicação de um questionário nas escolas para os adolescentes, que naquele momento estavam em maior número como afetados pelo o que estava acontecendo. Porém, foram mais de 700 questionários e eu estava atuando sozinho e não tinha equipe suficiente nem com disponibilidade para contribuir nessa tarefa, portanto, não cheguei a concluir a análise. O que ainda sei é que os episódios continuam, em menor número, mas em curso. Recentemente perdemos uma jovem, de 22 anos, moradora da zona rural, que ao sair da Escola Aristheu de Andrade, ingeriu veneno para rato, foi socorrida, mas faleceu poucos dias depois de hospitalizada. É necessário um trabalho de larga escala para se entender o que está havendo com os adolescentes e jovens, para assim, se pensar em saídas possíveis. Essa é uma mirada local. Mas essa problemática não está presente somente em Colônia Leopoldina. Sabemos que esse não é apenas um problema local, pois do ponto de vista nacional, também temos uma crescente desses casos, que indica que as vítimas são crianças, adolescentes e jovens no Brasil todo”.

Pergunta – “Quais os procedimentos de enfrentamentos clínicos nessas situações?

“Para pensar essa questão atualmente, me amparo nas propostas de Haidt, para mim, fazem muito sentido e são propostas já em uso, que já conhecemos e utilizamos, mas que precisam ser reiteradas todos os dias, pois ele mesmo aponta o risco e o pouco tempo que temos antes de um colapso, que, para Haidt, em 2 anos viveremos um colapso nesse campo se, claro, nada for feito. Então, os enfrentamentos são: 1) pais deveriam evitar que as crianças usem celulares antes do ensino médio, 2) proibição do uso de redes sociais até os 16 anos, 3) proibição de celulares nas escolas, 4) incentivo e promoção de brincadeiras entre crianças. Essas saídas são uma associação entre família e escola. Parece que só assim, será possível superarmos essa questão”.

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