A Guerra dos Cabanos: uma introdução à história do município de Colônia Leopoldina
O texto que se segue inicia uma série de breves discursos1 sobre a Guerra dos Cabanos (1831-1835). A finalidade é abordar os principais aspectos que cercam a história genética de Colônia Leopoldina. É que é preciso informar que foi em função da reprodução de subsídios ideológicos cabanos entre os pobres da nossa região que, em 1850, o governo imperial, sediado no Rio de Janeiro, autorizou a fundação de uma Colônia Militar às margens do Rio Jacuípe.
Quando da sua instalação, aquele núcleo militar, em homenagem a filha caçula de Dom Pedro II, então Imperador do Brasil, e em razão da celebração do poder, por parte das elites alagoanas, recebeu a nomeação jurídica de Colônia Militar Leopoldina, estando aí à origem do nome da cidade de Colônia Leopoldina.
Devemos neste primeiro momento tocar em aspectos básicos sobre a Guerra dos Cabanos, na medida em que, sem eles, ficará difícil a sua compreensão. De tal modo, um primeiro aspecto fundamental é ressaltar que a Guerra dos Cabanos, ainda, tem um incipiente tratamento analítico enquanto objeto de estudo no campo do conhecimento histórico.
Tal fato é o resultado mais direto das pretensões oligárquicas do norte das Alagoas e sul de Pernambuco que, desde 1835, visando a deformação da narrativa do confronto popular cabano, se dispuseram das estruturas que o poder econômico e político poderiam oferecer, perpetrando, assim, a movimentação de um projeto de poder e dominação social que ainda, em sentido histórico, se encontra em andamento.
Outro aspecto fundamental é a necessidade de afastar a suposta legitimidade da tese histórica que coloca a Guerra dos Cabanos num campo factual sui generis, enquanto interesses de classes divergentes se uniram por um breve momento à efetivação do ideário social do confronto.
Tal tese não pode encontrar abrigo depois de uma leitura dialética do confronto cabano. Mesmo tendo o seu começo nas contestações setoriais da urbanidade oligárquica e militar na Capital de Pernambuco, a Abrilada não pode ser confundida com a própria Guerra dos Cabanos.
Na realidade, aquela não foi um introito desta. A Guerra dos Cabanos, propriamente dita, ocorre quando homens e mulheres pobres, índios e negros (escravos e livres) percebem que a infiltração das lutas oligárquicas nos espaços das matas mocambeiras poderia constituir em oportunidade para um levante oposto ao sistema social vigente, baseado na exclusão social, na escravidão e na propriedade absoluta das terras de onde os marginalizados se tirava o sustento à manutenção da vida.
O nome “cabano” deriva do fato da população pobre que lutou contra o estabelishment imperial, em sua grande maioria, residir em cabanas construídas com palhas e com barros no interior das matas onde ocorreu a grande maioria dos confrontos contra as forças legalistas.
Este segmento populacional, privado de direitos básicos e de participação na distribuição da riqueza do sistema escravista, explorou o conhecimento topográfico das matas para vencer, em diversas oportunidades, os exércitos legalistas de Alagoas e de Pernambuco.
Nas matas, a população cabana organizou um sistema de produção diferentemente do vigente sistema social oligárquico. Tratava-se de um espaço onde o ordenamento jurídico predominante não tinha eficácia, sendo o exemplo maior desse aspecto é o fato de em seu âmbito não existir escravos.
Como veremos em textos posteriores, as lutas cabanas foram se enfraquecendo com o passar dos anos, em função da adoção, por parte dos governos provinciais de Alagoas e de Pernambuco, de um conjunto de medidas que foram desde a anistia, até a doação de terras e equipamentos de trabalho para quem abandonasse o território de lutas.
No entanto, o ideário cabano não foi sopesado por inteiro. Ele sobreviveu na região conflagrada por muitos anos, com destaque para o Vale do Jacuípe, onde, sob a influência de Vicente Ferreira de Paula, ainda conseguia preocupar as classes dominantes de Alagoas e de Pernambuco.
Assim, a partir de 1852, executando a mais nova forma de controle social, são instaladas duas colônias militares na região fronteiriça das Províncias das Alagoas e de Pernambuco, com o fito de sufocar qualquer subsídio contestatório que tivesse como fundamento o conjunto de ideias cabanas.
Uma Colônia Militar é instalada entre os municípios pernambucanos de Maraial e Jaqueira, denominada Colônia Militar Pimenteira, enquanto outra é instalada em Alagoas, tratando-se, no caso, da Colônia Militar Leopoldina, núcleo que vai dá, mais tarde, origem a cidade de Colônia Leopoldina.
Como veremos em textos vindouros, quando dissecaremos a dinâmica funcional e institucional das colônias militares, esta forma de controle social (colônias militares) foi eficiente em seus objetivos básicos, na medida em que conseguia agregar a função de atalaia permanente, aliada com a implementação da produção econômica para o desenvolvimento da indústria canavieira e de outras frentes produtivas.
Por fim, deve ser enfatizado que os textos seguintes explorarão mais detidamente estes e outros aspectos da Guerra dos Cabanos, sempre objetivando discutir as origens históricas e sociais fundamentais para a formação da cidade de Colônia Leopoldina, a partir de uma leitura distante da hegemônica narrativa que circula, ainda, em nosso município.
*Colônia Leopoldina, em 08 de outubro de 2016.
- O texto foi publicado originalmente no dia 8 de outubro de 2016, quando começaram as minhas investigações sobre a relação entre o contexto da Guerra dos Cabanos e a fundação da Colônia Militar Leopoldina, a partir de 1850. ↩︎
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