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Tiradentes e o nascimento do herói republicano-nacional

O capítulo 3 do livro “A formação das almas: o imaginário da república no Brasil”, de José Murilo de Carvalho, é leitura obrigatória para quem pretende compreender como ocorreu a constituição de Tiradentes como herói nacional.

A obra aborda, por um denso e aprofundado debate historiográfico sobre as lutas ideológicas de agrupamentos políticos da segunda metade do século XX, todo o esforço para a construção e legitimação no imaginário popular de representações e símbolos da jovem república proclamada em 1889.

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A formação das almas é um trabalho historiográfico fundamental sobre o começo da república brasileira. Foto: arquivo pessoal

É nesse sentido que Joaquim José da Silva Xavier, conhecido por Tiradentes, é abordado no capítulo. Ele é considerado um herói nacional, um lutador inveterado pela liberdade. Foi sobre ele montada uma mitologia que o legitimasse como representante da república.

A figura de Tiradentes foi, na segunda metade do século XIX, se estendendo até as primeiras décadas do século XX, objeto de importante debate historiográfico. De um lado foi construído sobre ele toda uma mitologia republicana, sendo ele o exemplo da luta pela República.

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Litogravura Tiradentes (1890) de Décio Villares. Foto: Reprodução

De outro lado, Tiradentes é visto como um artificio, uma criação para satisfazer os interesses de determinados grupos políticos. O dia 21 e abril como feriado nacional foi declarado pela primeira vez em 1891.

Se refletirmos bem, uma hipótese justifica à outra.

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Martírio de Tiradentes (1893) de Aurélio de Figueiredo. Foto: Reprodução

As primeiras referências historiográficas à Inconfidência Mineira se deram com Robert Southey, em sua “História do Brasil”, em 1810. Mas, o capítulo sobre a rebelião, traduzido pelo padre Resende Costa, foi publicado no Instituto Histórico e Geográfico em 1846. A tradução portuguesa somente saiu em 1862.

Sauthey, que teve como fonte de pesquisa o processo de alçada, critica todo o procedimento do Judiciário, afirmando que o movimento foi o primeiro a buscar a liberdade e a separação de Portugal.

Já em “Brasil pitoresco”, de Charles Ribeyrolles, em 1859, Tiradentes aparece com traços de herói cívico, que morreu por uma ideia, se tornando um mártir.

A literatura tratou de abordar do tema dos inconfidentes antes da própria historiografia. As “Liras” de Gonzaga (1840); “Gonzaga ou a conjuração de Tiradentes” (1848) de Antônio Ferreira de Souza; “A cabeça de Tiradentes” (1867) de Bernardo Guimarães; “Gonzaga ou a revolução de Minas” (1867), de Castro Alves.

O ápice do conflito simbólico entre a figura de Pedro I e Tiradentes se deu, talvez, num artigo do abolicionista Luís Gama, “À forca o Cristo da multidão”, publicado pelo Clube Tiradentes em 1882. No artigo ele faz um paralelo entre Cristo e Tiradentes.

O marco principal da construção do mito de Tiradentes é a obra “História da conjuração mineira”, de Joaquim Norberto de Souza Silva, publicada em 1873, a partir dos arquivos denominado de “Autos da Devassa”, da “Memória”, de autoria anônima, e do depoimento de Penaforte. Tiradentes, para Norberto, era figura secundária e discordava da visão dele como mártir.

A obra foi acusada de render homenagem à monarquia. Contudo, talvez sejam verdadeiras, do ponto de vista histórico, as afirmações dele em relação as transformações que ocorreram no comportamento e no pensamento de Tiradentes, em razão do longo período de reclusão e das investidas dos frades franciscanos.

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Tiradentes esquartejado (1893) de Pedro Américo. Foto: Reprodução

No texto de Noberto, Tiradentes aparece como alguém que perdera a ânsia pela liberdade, pela mudança de regime da monarquia para a república, se transformando num místico, um imitador de Cristo.

O autor diz que a liderança principal da Inconfidência Mineira foi o poeta e ouvidor Tomás Antônio Gonzaga. Sobre Tiradentes foi montado todo um aparato historiográfico para torná-lo representante da luta pela liberdade que somente a república ofertava.

Foi nesse contexto que a estética de Tiradentes, carregada de mensagens semióticas, foi produzida, como na litogravura, de 1890, de Décio Villares, quando Tiradentes é, figurativamente, comprado ao Cristo. São os casos também da pintura “Martírio de Tiradentes’, de Aurélio de Figueiredo, e de “Tiradentes esquartejado’, de Pedro Américo, como “Os despojos de Tiradentes no caminho novo de Minas”, de Portinari.

A construção do mito e da memória de Tiradentes como herói nacional dependeu se deu no interior de disputas políticas e ideológicas, na tentativa de justificar o regime republicano e toda modificação social dele derivada.

A política não é natural. Ela é social. Assim como também os seu heróis, legitimados pela ideologia.

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